Dando continuidade à publicação dos capítulos do livro Além dos Rios, leia abaixo "O Reencontro".
Desde o nosso primeiro encontro já haviam se passado quase quatro meses, quando numa manhã de meados de outubro de 2008 Aladir me ligou. Ele se encontrava a 150 quilômetros Araguaia abaixo do local onde nos conhecemos. Estava ancorado no pequeno município de Xambioá, no extremo norte do Tocantins, na colônia de pescadores da localidade. Fora levado até lá pela sua inseparável e cúmplice canoa deslizando sobre as águas do Araguaia, não sem antes enfrentar águas menores de afluentes desse majestoso rio.
Xambioá tornou-se conhecida por causa do movimento armado posteriormente chamado de Guerrilha do Araguaia, cujo plano era depor os militares que assumiram o poder no Brasil em 1964. Esse movimento, liderado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na época comandado por João Amazonas, criou núcleos de treinamento na floresta e ações de relacionamento nas pequenas cidades da região, tanto nos estados do Pará e do Maranhão como no Tocantins, que antes fazia parte de Goiás. Durante dois anos, o Exército adotou a tática de escaramuças e infiltrou seus agentes entre as populações ribeirinhas para levantar informações sobre as condições e os meios adotados pelos guerrilheiros. Há um caso contado pelos habitantes de Xambioá sobre um homem malvestido que apareceu por lá vendendo alho de casa em casa. Era bom de prosa e assim conseguiu informações importantes para as forças militares. O resultado dessa operação de guerrilha deixou 76 mortos, entre guerrilheiros e habitantes da região. Filmes e ambientação para livros descreveram essa passagem da história recente do Brasil. Mas Xambioá tem muito mais. Ali se encontram registros pré-históricos em gravuras rupestres como a “Pedra Escrita”, cavernas em calcário formadas há milhões de anos, cachoeiras de dezenas de metros de altura e corredeiras incríveis com águas claras.
Hoje o que movimenta a pequena cidade de cerca de 20 mil habitantes são as obras de uma usina da Votorantim, para extração de minério. Por causa dessa nova fase, Xambioá enfrenta dificuldade para abrigar a mão de obra que chega com a esperança de um futuro melhor. As pequenas e simples pousadas, antes destinadas a receber poucos turistas, agora hospedam e alimentam trabalhadores.
Nossa comunicação por telefone foi rápida. Aladir sabia intuitivamente que eu estava aguardando aquele contato. Três dias depois me encontrei novamente com ele. Minha viagem foi planejada em apenas algumas horas. Munido de uma mochila com duas trocas de roupa, mais dois gravadores, uma máquina fotográfica, protetor solar, farolete, tênis e repelente, embarquei em direção ao velho navegador solitário. De São Paulo a Brasília e de Brasília a Araguaína, ponto mais próximo de Xambioá, por via aérea, foi como o previsto. Mas de Araguaína a Xambioá tive de viajar num táxi, um Fiat ano 1999, dirigido pelo Feitosa, um maranhense de 50 anos, baixo e gordo, de cabelos grisalhos, que não perdia a oportunidade de, durante a viagem, se transformar, também, em guia turístico. O trecho de estrada asfaltada, de cerca de 140 quilômetros, praticamente sem postos de combustível ou qualquer suporte rodoviário, passando por cidades menores, foi vencido sem nenhuma dificuldade. O destaque ficou por conta das belezas naturais e seus contrastes, ora avistando terra árida ou cerrado, ora vegetação exuberante.
O trato com Aladir estava sendo cumprido. Prometi reencontrá- lo e lá estava eu no topo de uma rua íngreme, na frente de uma casa simples e cuja entrada denunciava ser local de pescadores, porque havia diversas caixas de isopor espalhadas e um aviso que maltratava o vernáculo: “Vendi Peixi”.
O encontro com Aladir lembrou o de dois amigos que não se viam há bastante tempo. Fez questão de me apresentar para cada um dos que ali estavam. Em seguida, tirou seu boné de abas largas, presente da sua filha que reside na Espanha, e disse:
– Vocês acreditam em mim agora? Este aqui é o jornalista Antoninho, lá de São Paulo.
O cansaço pelas horas de viagem de avião, de espera e de estrada e um calor de 35 graus não foram suficientes para qualquer desânimo. Na sede da colônia, sentei-me com Aladir e mostrei a ele meu caderno de anotações. Era o meu plano de trabalho. Queria ouvi-lo e depois soprar ao mundo sua existência, contar sua história. Começamos a entrevista imediatamente. Foram, naquele e nos quatro dias que se seguiram, horas de depoimento.
Isso, sem contar as nossas conversas sem gravação, testemunhos de amigos de “longa data” que acabavam de se reencontrar. Daqui em diante, a história é de Aladir.
O velho navegador continua a sua saga. |
Nos últimos dias do mês de novembro ele cruzou o Rio Negro e manteve contato com povos ribeirinhos. |